Arquitecto há mais de 30 anos, João de Sousa Rodolfo, CEO e fundador da Traçado Regulador, admite que se associa à actividade do arquitecto apenas o aspecto criativo mas os desafios desta profissão vão muito além.
Com um portefólio lonho e uma larga experiência no mercado imobiliário, o arquitecto refere ainda que a reabilitação terá cada vez mais peso na actividade dos arquitectos e a construção nova tenderá a ter uma expressão mais reduzida.
Em entrevista ao Diário Imobiliário, é com orgulho que afirma que os arquitectos portugueses e a arquitectura por si produzida têm cada vez maior reconhecimento público, quer a nível nacional, quer a nível internacional.
Como se posiciona a arquitectura neste momento que se vive a pandemia, sendo que o mercado imobiliário tem sido dos sectores mais resilientes?
As actividades que de algum modo se relacionam com o imobiliário caracterizam-se por um processo moroso entre criação, licenciamento, produção e consumo. É um processo longo e com alguma inércia. Por outro lado, desde o início que a crise pandémica é uma crise com fim à vista, o que não afectou a confiança dos investidores.
Neste contexto, a arquitectura, enquanto actividade de projecto, não sentiu grande impacto na encomenda.
O principal impacto no imobiliário, deveu-se à crescente morosidade dos processos de licenciamento cujos tempos de apreciação, muito para além do legalmente exigível, retardam o investimento, a criação de riqueza e o desenvolvimento económico do país.
Para se ter uma ideia de dimensão deste problema, poderei dizer com segurança que a facturação da Traçado Regulador, considerando apenas os trabalhos em curso, triplicaria, caso os prazos legais de apreciação de projectos fossem cumpridos.
Por aqui se poderá ter uma aproximação aos graves danos causados à economia nacional que a morosidade processual gera, sabendo-se que o mercado imobiliário representa 12% do PIB.
O conceito da nova forma de habitar que surge com esta pandemia tem sido notório nos projectos pedidos ao Traçado Regulador?
A transformação não é radical. No fundo trata-se do reconhecimento de que o habitar não é meramente uma questão funcional, isto é, comer, dormir, socializar. Existe uma dimensão psicológica, que sempre defendemos e que agora, pela experiência de uma vivência mais intensa do espaço habitacional, é reconhecida por todos.
Na prática, este reconhecimento trouxe-nos mais clientes – os que valorizaram a riqueza espacial interior das moradias que projectamos.
Por outro lado, existem novas funções requeridas numa habitação e que já justificam alguma revisão regulamentar.
Também tem sentido uma nova fase de projectos fora dos centros urbanos integrados em meio rural?
Sim. A maior tendência é a procura de lotes nas periferias próximas dos grandes centros urbanos. Contudo, temos sentido alguma procura por meios mais rurais e mais no interior do país.
Como analisa o mercado imobiliário actual? A tão perspectivada descida dos preços das casas nos centros urbanos não aconteceu. Porquê?
Talvez porque a maior oferta que possa ter havido devido a algum alojamento local reconvertido tenha sido rapidamente superada por uma procura que não pára de crescer.
Certamente também pelo facto de muito proprietários terem preferido conservar do que vender em baixa, na expectativa de uma retoma que se adivinhava.
Acredita que o fim dos Vistos Gold nas Áreas Metropolitanas de Lisboa e Porto e nas regiões costeiras vai impactar o mercado imobiliário a partir de 2022?
Esta medida terá sem dúvida um impacto negativo na captação de investimento estrangeiro. O investimento no interior envolve maior risco e menor retorno. Existem outras formas de promover o desenvolvimento do interior. Esta não será de todo a mais correta nem a mais eficaz.
E como vê o futuro dos arquitectos e da arquitectura?
Os arquitectos portugueses e a arquitectura por si produzida têm cada vez maior reconhecimento público, quer a nível nacional, quer a nível internacional.
Por outro lado, é cada vez mais aceite a imprescindibilidade do papel social do arquitecto, como criador dos espaços propícios ao habitar e como líder de equipas multidisciplinares que os materializam.
No futuro, a reabilitação terá cada vez mais peso na actividade dos arquitectos, pois há que preservar os tecidos urbanos consolidados que caracterizam e dão alma às cidades. Atendendo ao decréscimo demográfico que se vem verificando e às novas políticas do uso de solos, a construção nova tenderá a ter uma expressão mais reduzida.
Quais os maiores desafios para esta profissão?
A arquitectura é uma actividade de uma complexidade não atingível pela maioria das pessoas. Associa-se à actividade do arquitecto apenas o aspecto criativo – “o arquitecto produz uns desenhos para fazer um edifício”. Depois, associa-se esta produção gráfica a mero acto manual.
Fazer arquitectura é algo bem diferente. Trata-se um trabalho de síntese muito complexo, que envolve um lugar, um programa funcional, uma envolvente física e perceptiva, um orçamento, as variáveis técnicas de vária ordem e um enquadramento legal muito exigente. Além disto tudo, há que associar a criatividade e reger uma orquestra onde temos de saber tocar um pouco de cada instrumento.
Neste contexto, penso que os desafios da profissão serão:
A adaptação continua às mutações da nossa sociedade, no seu modo de habitar e na sua relação com o espaço nas diferentes escalas, desde a casa até à cidade;
A adaptação às novas tecnologias, quer na produção de melhores projectos, quer na sua integração no edificado, contribuindo para um maior conforto e sustentabilidade.
Click na imagem para ver artigo original