São habitações antigas, lugares de criação. Algumas estão em ruínas, mas todas guardam memórias
Muitas das casas dos artistas que fizeram a cultura portuguesa são visitáveis, algumas estão degradadas, outras fechadas, a reclamar obras. Todas oferecem enormes potencialidades ao turismo cultural, atraindo visitantes e turistas.
Casas como a de Soutosa, em Moimenta da Beira, que guarda as memórias de Aquilino Ribeiro. Mandada construir no século XIX, recolhe os manuscritos do escritor e mais de oito mil livros. Recuperar a casa é vontade da
autarquia que candidatou a reabilitação aos fundos comunitários. Um investimento de €2 milhões para regenerar a residência principal e duas casas, a da Boavista e a de São João, incluídas na propriedade.
“Não está em causa a degradação física do espaço, desejamos que esteja ao serviço da cultura”, diz o presidente do município. José Eduardo Ferreira lembra que a propriedade, que Aquilino Ribeiro herdou em 1918 e onde viveu várias décadas, “tem
valor arquitetónico e histórico, a envolvente foi decisiva como inspiração”. O projeto inclui a criação de um museu, loja e residência para criadores.
Casas que contam histórias, mas precisam de público
“Estas casas, que foram lugares de criação reúnem um potencial enorme”, diz Sobral de Carvalho, arqueólogo da Energias Criativas, empresa que promove roteiros culturais. “Contam uma história, facilmente atraem público, mas precisam ser mapeadas e recuperadas”. Porém “há desmazelo nalgumas, como sucede com a casa onde viveu Nadir
Afonso”, em Chaves, “abandonada e maltratada”, apesar de ali ter nascido um dos maiores pintores mundiais, como consta da lápide colocada na fachada.
Melhor sorte teve a casa onde Miguel Torga nasceu, em São Martinho de Anta, Sabrosa, que vai ser recuperada e adaptada a espaço museológico do escritor e médico. O edifício, datado de 1950, foi doado pelos herdeiros e será alvo de obras, para acolher visitantes e divulgar as raízes do escritor. Foi nesta casa que
foram escritas algumas páginas do diário de Torga e que será requalificada com €340 mil, financiados pelo programa de valorização turística do interior.
Perdida entre herdeiros está a casa de Fernando Namora, em Pavia, no Alentejo. O médico e escritor viveu na Casa do Conde, no município de Mora, entre 1946 e 1951. Nas silenciosas ruas da vila, a típica moradia “está fechada”, lamenta Custódia Casanova, guia cultural.
“São muitos os turistas que querem visitar a residência, mas os herdeiros não se entendem e a casa, onde estão algumas memórias do escritor, não recebe visitas.” Na outra casa onde viveu Fernando Namora, em Monsanto, há apenas uma placa com uma citação da obra “A Nave de Pedra”, o livro que escreveu sobre a Beira Baixa.
João de Sousa Rodolfo, arquiteto e professor universitário, defende que estes imóveis devem ser “fruídos pela comunidade”. A única possibilidade, “no âmbito privado é o turismo de
habitação, como a Casa de Amália Rodrigues na Zambujeira do Mar”. Resta, diz Sousa Rodolfo, a “promoção pública”.
Férias com Vergílio Ferreira
Será o destino da Vila Josefine, em Melo, onde este ano começam as obras na casa onde escreveu Vergílio Ferreira, que ali passava férias, quando se deslocava à aldeia onde nasceu. O imóvel, no concelho de Gouveia, foi comprado pela autarquia por €75 mil e vai funcionar como residência artística, para alojar criadores nacionais e estrangeiros.
O arquiteto Sousa Rodolfo defende “a contextualização da criação artística no espaço físico que serviu de cenário à
sua produção e é recomendável preservar o ambiente original, povoado por muitas memórias exteriores que tem, certamente, uma participação importante na génese dos sentimentos que cada obra ali criada transmite”.
O arqueólogo da Indústrias Criativas concorda e reforça que “o potencial dessas casas está na memória, nas histórias que contam e as pessoas que identificam”. De outra forma “ficam umas lápides, que sinalizam um local do qual não se tira valor”, diz Pedro Sobral de Carvalho. Como a casa do fadista Augusto Hilário, em Viseu ou da acordeonista Eugénia Lima, em Castelo Branco, sinalizadas com uma única placa.
Casa Memória de Camões
Já em Constância a figura de Camões serve de ícone à vila com uma casa à beira Tejo que o poeta terá habitado, entre
1547 e 1548.
Ali foi criada a Associação Casa Memória de Camões, que se propôs homenagear a obra do maior autor português. Matias Coelho, presidente da associação e historiador, alerta, no entanto, que “não existe prova documental
da presença de Camões em Constância, mas uma enorme tradição popular, documentada desde 1880”.
A sede da Associação é precisamente um imóvel de cinco pisos, erguido sobre os escombros daquela que o povo assume ter sido a casa de Camões. “Ruínas que foram danificadas pelo ciclone de 1941 e que não puderam ser classificadas”, explica o historiador. Matias Coelho garante “não querer enganar ninguém”, mas a memória levou a associação a adquirir dois imóveis, contíguos, para a criação da Casa de Camões.
Surgiu um edifício que deixou no rés do chão a preservação da casa quinhentista onde Camões terá vivido. “E existem registos inequívocos que a datam no século XVI”. A casa está, no entanto, “fechada porque faltam conteúdos e um projeto museográfico para abrir a casa ao público”.
O historiador estima que o custo da musealização “ultrapasse” os €500 mil e aponta as “mais-valias que traria a uma casa que tem até um jardim, projetado por Gonçalo Ribeiro Teles que reúne as plantas da lírica camoniana”.
Revisitar Ruy Belo em Rio Maior
Mais recente é a decisão sobre a casa do poeta Ruy Belo, em Rio Maior, que será recuperada. A Câmara Municipal
abriu um concurso para a reabilitação do imóvel de São João da Ribeira, onde nasceu o poeta, num investimento de
€300 mil.
“Temos uma grande herança cultural nestes imóveis, são casas de cultura, capazes de atrair turistas e visitantes. Urge defender este património”, remata Sobral de Carvalho
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