Com o mercúrio dos termómetros a descer para as temperaturas mais baixas da década e o confinamento obrigatório
a obrigar cada vez mais pessoas a ficarem em casa, começam a subir os custos energéticos, sendo que uma parte da população ainda passa os dias sem qualquer aquecimento.
E se no verão a situação é idêntica em termos de custos energéticos, mas para arrefecer as casas, a verdade é que, para a esmagadora maioria das pessoas, o frio é mais difícil de suportar.
Apesar de a legislação impor regras de climatização, que oneram o custo das habitações entre 2% a 4% do valor total, esta ainda não é uma grande preocupação na hora de comprar casa, até porque, naquele momento, o esforço financeiro é gigantesco para a maioria das famílias e o objetivo é gastar o menos possível e aliviar os encargos futuros.
Mas, voltando ao conforto das habitações, importa referir que a ventilação natural e o piso radiante são as formas mais eficazes de adaptar as casas ao clima, solução que implica um agravamento no preço da habitação de €42 por m2. Mas, na hora de comprar casa, os portugueses ainda mostram pouca preocupação com o conforto térmico.
Desde 2006 que Portugal dispõe de legislação sobre o comportamento térmico dos edifícios, que traduz o
desempenho energético do imóvel, classificando-o numa escala de A+ a G, o nível mais baixo.
Para obrigar ao cumprimento destas normas desde 2013 que a certificação energética é obrigatória, mas a “exigência mínima, para construções novas ou reabilitações profundas, é B-”, revela João de Sousa Rodolfo, arquiteto e administrador da Traçado Regulador.
Regras sem peso nos custos
Esta classificação obriga a “impermeabilizações de paredes, caixilhos com vidro duplo, espessuras de paredes e equipamentos de climatização e aquecimento de águas”, afirma Nuno Fidelis. Este arquiteto, que trabalha com a consultora imobiliária Savills, explica que “estas regras estão incluídas nos custos de construção e não têm grande peso, teórico, no preço final das habitações”.
O problema, aponta Nuno Fidelis, está nos sistemas AVAC (aquecimento,
ventilação e ar condicionado), “que levam a um grande custo de eletricidade, quando não existe uso de energias renováveis”. Os novos edifícios “têm procurado diminuir estes custos com soluções mais eficazes”. Como “sistemas de impermeabilização pelo exterior, uso de pavimentos radiantes e ventilação natural”, elenca Nuno Fidelis.
“Estes sistemas, mais sustentáveis e mais amigos do ambiente, têm um peso de cerca de 2 a 4% no preço de construção quando definidos atempadamente nos projetos iniciais, garantindo uma certificação energética mais alta com custos mais baixos na eletricidade e água”, adianta o arquiteto da Savills.
Custos que “têm um prazo de amortização extremamente curto, entre 2 a 6 anos”, destaca João de Sousa Rodolfo, que aponta para outras “soluções praticamente sem custo”, definidas pela arquitetura, como “a correta gestão da exposição dos vãos envidraçados ou a ventilação natural, mas a maioria tem um custo adicional, como o reforço do isolamento térmico em paredes, a proteção solar exterior de vãos envidraçados e a inclusão de gazes inertes, na caixa entre vidros, duplo ou triplo”.
Apesar disso, o administrador da Traçado Regulador defende “a coordenação entre as várias engenharias
dos sistemas que consomem energia, como os painéis solares térmicos que são utilizados no aquecimento das águas sanitárias e podem ser os mesmos a utilizar na climatização e no aquecimento da piscina”.
O arquiteto da Savills assume que “o desafio está no parque habitacional, não está tanto no presente e futuro da construção, mas num período pós-anos 40 e principalmente pós-anos 70, de más práticas sem grandes regras, e que levaram a que hoje tenhamos uma fraca resposta no comportamento térmico das habitações”.
Foram épocas em que “construir em Faro ou em Vila Real, era realizado da mesma forma, com paredes simples de alvenaria sem isolamento e vãos com janelas ineficazes”. Opinião corroborada por João Rodolfo de Sousa: “Consumos energéticos exagerados ocorrem num parque habitacional envelhecido.”
Também José Murta Lourenço — autor de projetos como os hotéis Ritz, Tivoli e Sheraton ou os edifícios Marconi e Fundação Calouste Gulbenkian — reconhece “grandes progressos com soluções eficientes, mas estas são uma minoria num parque habitacional antigo e degradado”.
O engenheiro civil, com mais de 40 anos de atividade, reclama “oportunidade e meios para reformular nas grandes cidades e no interior do país o parque habitacional”. Para isso é preciso que a regulamentação seja “encarada como elemento normalizador e não como exigências que só atrapalham”.
O presidente da Associação dos Profissionais e Empresas de Mediação Imobiliária de Portugal (APEMIP) assume que “o mercado imobiliário não tem dado grande importância à climatização, é uma preocupação recente, mas os compradores terão que ser mais exigentes no futuro, até pelas alterações climáticas”. Luís Lima lamenta que esta “seja uma preocupação do segmento médio-alto, que pouco influencia a decisão de compra nos segmentos mais baixos do mercado”.
“A sustentabilidade e a eficiência energética são fatores diferenciadores que se irão refletir no preço”, aponta António de Castro. O consultor da Savills identifica como “exemplo de eficiência energética, o empreendimento Lisbon Green Valley”, em Sintra, onde um T3, com 169 m2, pode atingir os €700 mil.
Problema afeta casas pré-2006
José Murta Lourenço realça a “recente vaga de frio”, para exigir “uma política de coragem para que as soluções não se fiquem pela franja privilegiada, mas abranja o parque habitacional da maioria dos não privilegiados”.
Famílias que vivem em casas construídas “antes de 2006, em que a preocupação era o preço. Mesmo com um projeto em que o arquiteto preconizava o uso de determinados materiais, estes acabavam trocados por soluções mais económicas, de escassa inércia térmica, a capacidade de armazenar calor”, crítica o climatologista Mário Marques.
Situação que provocou “um grave problema de comportamento térmico das habitações em Portugal e em que a correção terá peso significativo nos custos de reabilitação”, alega Nuno Fidelis.
Sousa Rodolfo confirma que “os consumos energéticos exagerados ocorrem num parque habitacional envelhecido, com mau isolamento térmico de paredes, caixilharias sem corte térmico, vidros com elevados coeficientes de transmissão térmica”.
Mário Marques explica que “o desempenho térmico só começou a ser uma preocupação recente, exigindo isolamentos, equipamentos de elevada eficiência e baixo consumo de energia e o uso de energias renováveis”. Aspetos que classificam um edifício como A+, mas em Portugal a classe de eficiência energética
média é a C.
Para resolver o problema, Murta Lourenço aponta os fundos comunitários, opinião partilhada por Nuno
Fidelis, que lembra que “o desafio está em reabilitar este parque habitacional, com soluções eficazes e de baixo custo como o capeamento pelo exterior, que seria a mais eficaz e económica, com um custo entre €60 a €80 o m2”.
O administrador da Traçado Regulador defende que os fundos europeus sejam canalizados para a “eficiência energética”. Fundos que devem ser “usados com critérios rigorosos, não chega apenas o ar condicionado, são precisas outras soluções”, indica Luís Lima.
O presidente da APEMIP assume que “será o Estado, no futuro próximo, a colocar mais oferta no mercado e terá que exigir casas com mais durabilidade energética, preocupação que não tivemos e que teremos que ter nos próximos projetos”. Aspetos “relevados pelo frio e pela saúde, suscitados pela crise económica e pela pandemia e que nos obrigam a preocupar mais com esta questão”, conclui o presidente da APEMIP.
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