Que casas procura quem quer viver e investir em Portugal?
A pandemia trouxe a habitação para o centro das vidas e gerou novas necessidades e desejos na hora de procurar casa.
Se a pandemia fosse uma obra de teatro, a casa seria com certeza uma das protagonistas em cena. Saltou para a ribalta e tornou-se, por força das circunstâncias, o epicentro das nossas vidas. O confinamento e o teletrabalho abriram caminho a novas tendências e o perfil de procura na área da habitação mudou a olhos vistos. Isto mesmo foi sendo reiterado por consultoras, profissionais da mediação, promotores, construtores, arquitetos e outros agentes do imobiliário em estudos, entrevistas e notícias várias que o idealista/news publicou ao longo de 2021.
Mas de que forma a Covid-19 tem vindo a impactar a procura? Que tipo de habitação querem agora os portugueses e estrangeiros que pretendem viver e investir em Portugal, e porquê? Passamos o ano em revista para tirar as principais conclusões sobre o “novo” mercado residencial nacional.
A primeira evidência é que as pessoas passaram a estar mais tempo em casa do que nunca. Esse fator, aliado à mudança de hábitos, fez com que muitos percebessem que as suas casas atuais não atendiam às suas necessidades e decidiram partir em busca de uma casa de “substituição”.
Mudar de casa porquê?
As principais razões, em termos gerais, são:
E para mudar de lar o objetivo é sobretudo ter casa própria, em vez de arrendar, sendo que a cultura de ser proprietário continua de pedra e cal, com quase nove em cada 10 pessoas a preferir comprar casa.
As novas preferências na hora de procurar casa
O efeito da Covid-19 tornou-se rapidamente evidente nas preferências de quem está à procurar para casa comprar. Numerosos estudos confirmam que o terraço, varanda ou jardim se tornaram num requisito fundamental e que os compradores, além dos espaços exteriores, se renderam à procura de casas com mais metros quadrados, luz natural e piscina, claro.
Por outro lado, viver numa zona que se encontre perto de bons serviços/cuidados hospitalares é também atualmente um dos principais fatores a ter em conta por parte de quem está à procura de casa. Isso mesmo mostram os dados de um relatório da Knight Frank. A liderar a lista de prioridades na hora de investir na compra de uma casa estão ainda a proximidade a espaços verdes, como parques e jardins, e a boa qualidade do ar.
O acesso à internet de alta velocidade e uma boa vista também têm pesado na hora de decidir investir. As moradias foram, de forma geral, o principal foco de atenção, sendo que os apartamentos dentro de condomínios com este tipo de atributos também estão no topo da lista de desejos. Em termos reais, continuaram-se a vender mais apartamentos, mas as moradias ganharam maior expressividade nos números totais de imóveis transacionados.
Mas o perfil de compradores mudou ou está a mudar com a pandemia? Que casas se procuram mais agora? E onde? "A pandemia acabou por acelerar a inversão da tendência para fixação junto dos grandes centros urbanos. Atravessamos eventualmente o maior período de teletrabalho da história, as empresas a desenvolverem em contrarrelógio políticas, processos e tecnologia que facilitam a mobilidade profissional dos seus quadros, o que se traduz numa procura por ativos em zonas outrora desconsideradas. O confinamento acaba por valorizar a disponibilidade de espaço e a possibilidade de um contacto direto com a natureza só possíveis fora dos aglomerados", explicou Nuno Dias, diretor geral da Madre Imobiliário.
Viver na cidade ou no campo? Portugueses agora querem qualidade de vida
Os grandes centros urbanos continuam no top das preferências dos portugueses para viver, mas pela primeira vez em décadas o campo voltou a chamar a atenção. Com a pandemia, muitas famílias decidiram, ou estão a ponderar, trocar a vida nas grandes cidades pelo meio rural. E no coração desta mudança está a procura por uma melhor qualidade de vida. Esta é uma das conclusões do estudo Bloom Consulting Portugal City Brand Ranking 2021.
Ter uma casa junto à praia, ou no campo, para viver uma vida mais calma, discreta e afastada dos grandes centros cosmopolitas assumiu-se assim como a grande tendência, “Com a pandemia há cada vez mais famílias a mudarem-se “de malas e bagagens, abandonando as cidades” para irem viver para lugares “onde encontram ar puro, natureza, tranquilidade, segurança e, obviamente, uma maior qualidade de vida”, confirmava Francisco Grácio, CEO da PortugalRur, em entrevista ao idealista/news.
Neste contexto, comprar um terreno urbano para construir casa - de forma tradicional ou optando por casas pré-fabricadas - ganhou expressividade. E adquirir um solo classificado como rústico, seja para exploração agrícola, florestal, energética, cultural, paisagística ou para transformá-lo em solo urbano, passou também a estar em cima da mesa. Um estudo do idealista mostra que, durante a pandemia, a procura por terrenos disparou.
Mas não só. O desejo de ter uma casa no campo, alavancado pela necessidade de estar isolado e de ter mais espaço ao ar livre e qualidade de vida, com segurança e maior tranquilidade, veio dar impulso ao surgimento de novas tendências como a transformação de celeiros, adegas e lagares em habitação. Patrícia Barão, diretora do departamento residencial da consultora JLL, revelou que era um conjunto de ativos que “julgávamos adormecidos e que estão agora a ser alvo de elevada procura”.
Também há quem opte, cada vez mais, por comprar casas em planta. Com os preços das casas usadas a subir em flecha e a falta de oferta de casas novas à venda que estejam prontas a habitar, dentro de um contexto de novas necessidades de espaço, baixas taxas de juro e maior poupança, esta modalidade tem vindo a gerar forte procura.
Quais os perfis de compradores de casas novas que surgiram com a pandemia?
1 – Jovem casal à procura da primeira casa
2- Teletrabalhadores que se querem desconectar da cidade
3 – Procura por uma segunda habitação
4 – Os que “fogem” das reabilitações
5 – Idosos que procuram zonas tranquilas com espaços exteriores seguros
6 – Investidores individuais que compram para arrendar
E que casas procuram agora os investidores?
Segundo a multinacional alemã Engel & Völkers (E&V), a aposta passa por novos apartamentos de luxo bem localizados, com espaços abertos, vistas privilegiadas e salas open-space. “Estes novos apartamentos de luxo procuram responder à procura dos compradores numa nova relação entre proprietários e a habitação”, diz a especialista na mediação de imóveis premium.
Entre as zonas mais procuradas pelos investidores/compradores estão o Algarve e a Comporta, sendo que em muitos casos trata-se de uma opção para habitação permanente, onde podem teletrabalhar. “O mercado do Algarve (…) tem cada vez maior procura por compradores que reavaliaram o seu estilo de vida. Muitas pessoas ficaram presas em casa durante a pandemia e perceberam que preferiam ficar presas ao sol, vivendo uma vida mais ao ar livre, trabalhando remotamente e com a praia à porta”, comenta, a este propósito, Michael Vincent, CEO da BHHS – Portugal Property.
“O segmento de luxo, embora não acessível a todos, consolidou-se junto de quem já investia, antes da pandemia, no luxo e não prevejo que a tendência venha a inverter-se tão cedo”, disse Nuno Garcia que, em 2014, fundou a GesConsult. Quando questionado sobre se os portugueses também estão a investir em casas de luxo respondeu de forma clara: “Os portugueses começam agora a investir neste mercado. Tal como os investidores estrangeiros, os nacionais procuram locais sossegados, espaçosos e seguros, perto do mar e do campo, sem precisarem de fazer grandes distâncias para usufruírem das vantagens dos centros urbanos”.
E comprar uma segunda casa ou uma casa de férias mantém-se também como uma das principais prioridades para os compradores de ‘prime properties’, segundo outro estudo da consultora imobiliária Savills.
Por outro lado, é de destacar que para o dinamismo do mercado imobiliário tem contribuído a procura interna, mas também a de famílias estrangeiras que querem vir viver para Portugal, segundo Frederico Abecassis, CEO da Coldwell Banker Portugal, sendo que os nómadas digitais apresentam-se como um “segmento que tem vindo a estimular o mercado”.
“Será um exagero pensar que as cidades vão morrer no pós-pandemia”
A pandemia fez-nos repensar o modo como vivemos (dentro e fora de casa), empurrando muitos para o campo ou para as periferias. Mas será que a cidade vai dar lugar ao interior? Paulo Martins Barata, sócio-fundador do atelier de arquitetura PROMONTORIO, reconhece o impacto da Covid-19, mas não crê que as mudanças “venham a ser tão grandes” como se perspetiva. “Será um exagero imaginar que as cidades vão morrer e que passaremos a um mundo distópico pós-pandémico com a ilha Manhattan deserta”, diz, em entrevista ao idealista/news.
Maria João Andrade, fundadora do atelier MJARC Arquitectos, concorda que a pandemia foi um ponto de viragem, também, para a arquitetura, na forma como se pensam as casas e os edifícios em geral, com projetos a serem marcados, já e no futuro, pela mudança de hábitos e maneira diferente de as pessoas se relacionarem com os espaços, interiores e exteriores. Para a recentemente galardoada com o prémio "40under40" dos European Architecture and Design Awards 2020, o desafio será “harmonizar todas as valências” que agora se cruzam dentro e fora do universo casa, com a garantia de que não podem faltar zonas verdes numa varanda ou terraço.
Para Paulo Merlini, fundador do atelier Paulo Merlini Architects, a pandemia veio mudar o conceito de casa e colocar em evidência a “necessidade de contacto com o mundo natural”. Em entrevista ao idealista/news, o arquiteto diz que o confinamento trouxe à tona esta “necessidade visceral por espaços ao ar livre”, dando impulso ao aumento da procura por este tipo de produto e ao “arranque de uma nova era”.
E este novo contexto, defende Merlin, provocará uma mudança “inevitável”, destacando-se a importância da arquitetura na forma como esta impacto o nosso bem-estar físico e emocional. Este gabinete de arquitetura segue, de resto, a filosofia criativa ‘Us is More’, baseada “na obrigação de adaptar o espaço aos nossos corpos e não o contrário”, e na importância do conhecimento do corpo humano, principalmente na resposta do cérebro humano aos estímulos exteriores. Mas, afinal, como é que isto se materializa em projeto e quais os efeitos no mercado? Do lado dos promotores, percebeu-se, por exemplo, “que o valor emocional dos metros quadrados (m2) dos espaços exteriores, como jardins ou varandas, tem hoje uma outra expressão no momento da tomada de decisão”.
Promotores e mediadores imobiliários preparados para responder à nova procura de casas
As casas passaram a ter novas funções. Para muitos, passaram a ser espaços de trabalho, de lazer, para praticar exercício físico e muito mais, ao mesmo tempo. E a importância de ter espaços mais amplos e ao ar livre ficou definitivamente destacada por quem quer comprar e investir. Os promotores deparam-se assim com novos desafios, tendo que desenhar casas do futuro e repensar os projetos residenciais com a multifuncionalidade como nova palavra de ordem, indica a Athena Advisers.
Para Paula Fernandes, Paula Fernandes, CEO da RAR Imobiliária, estamos perante um momento de “viragem notória”, relacionada com o “tipo de produto que é oferecido”. “Há uns anos não tínhamos promotores a desenvolver e a apostar seriamente em moradias, por exemplo, e neste momento o que se nota é que os projetos são muito direcionados nessa vertente. E por outro lado também está a haver uma preocupação diferente com aquilo que são os apartamentos e que é o produto que é entregue ao cliente, e na versatilidade desse produto. Isto é bom para o imobiliário, porque em vez de estar estagnado num resultado e numa fórmula que já era conhecida, desafia a pensar em coisas novas”.
Este novo paradigma alimentou o segmento premium, gerando “dinamismo no mercado”, tal como explica João de Sousa Rodolfo, arquiteto e CEO da Traçado Regulador, em entrevista ao idealista/news. O contexto pandémico, diz ainda, tornou-nos “mais conscientes dos espaços” e deu impulso à "troca de apartamentos no interior da cidade por moradias na periferia". A Traçado Regulador projeta moradias premium, isto é, “casas de sonho” com muitos metros quadrados (m2), grandes jardins e piscinas de horizonte infinito. Os investidores são maioritariamente portugueses, apesar dos clientes estrangeiros terem um peso cada vez maior no negócio. Procuram, sobretudo, “casas em lotes desafogados, com amplas áreas e com espaços com novas funcionalidades – escritório, ginásio, sala de cinema, adega ou wellness center”, e além do jardim, piscina ou design minimalista, valorizam zonas de estar e lazer exteriores. No interior, por sua vez, é importante “uma espacialidade rica e com forte relação com o exterior”.
Dependendo do segmento de mercado de cada uma das famílias, "geraram-se realmente muitas alterações de necessidades que pressupõem novas oportunidades de negócio imobiliário. Uns passaram a procurar condomínios fechados, com áreas de lazer exteriores para as crianças, outros estão a optar por comprar terrenos para terem a sua própria privacidade, e outros desejam mudar as suas vidas para o interior em zonas mais rurais desde que tenham boa rede móvel", reitera Ricardo Coimbra, diretor geral da Vérticus, empresa com percurso de 30 anos no Porto e que atua na gestão e comercialização de empreendimentos residenciais e de serviços.
A pandemia da Covid-19 tem vindo assim a trazer oportunidades e desafios ao mercado imobiliário, tendo sido detetadas mudanças nas preferências da procura, sobretudo, pelas famílias portuguesas. A Solyd garante que não ficou indiferente a este “movimento de alteração das preferências” e decidiu avançar com o desenho de projetos imobiliários residenciais “totalmente adaptadas às novas necessidades”, segundo refere Gonçalo Cadete, Managing Partner. O exemplo mais gritante destas adaptações é o projeto Altear, situado na Alta de Lisboa (Lumiar), e já iniciado em 2019, que assume um investimento global de 200 milhões de euros. “O nosso objetivo foi valorizar aquele território, desenvolvendo dez edifícios residenciais com generosos vãos e varandas, equipados com ginásios, piscinas, salas multiusos, lounges, jardins privativos e parques infantis, entre outras infraestruturas de apoio”, explica Gonçalo Cadete, referindo ainda que os critérios sustentáveis são hoje mais valorizados pela procura.
Prova de que o campo está cada vez mais na rota dos investimentos imobiliários é a forte procura que tem suscitado o Alentejo. " A pandemia, nos últimos quase dois anos, digamos assim, veio acelerar um pouco esta tendência. Começou a haver uma projeção maior do destino Alentejo como destino possível para ter uma segunda residência, numa primeira fase de portugueses, mas creio que o mercado internacional também terá interesse em descobrir. Temos vários residentes que passaram aqui a pandemia, tiveram aqui estes meses, e têm uma boa memória de estar aqui, as pessoas gostaram de ter passado este período aqui, não é um espaço fechado. Acabou por ser positivo para eles. A pandemia de facto acelerou uma tendência que já existia de trás", tal como partilhou José Cunhal Sendim, fundador e CEO do L’AND Vineyards.
Classe média com falta de oferta de casas para a procura existente
Muitas das casas novas que chegam ao mercado são destinadas ao segmento premium. E a verdade é que muitos destes imóveis de luxo, que são vendidos em planta, são comprados também por portugueses. Mas a tão falada aposta na classe média portuguesa é utopia ou realidade?
“Ficámos surpreendidos, durante a pandemia, com o volume de habitações de luxo ou de classe média-alta que foram adquiridas pelo mercado nacional”, refere Pedro Vicente. O administrador da Habitat Invest adianta que vão aparecer “em maior escala produtos adaptados à classe média portuguesa”, havendo uma “falta tremenda de oferta” para este segmento.
Um problema, de escassez de oferta, que é partilhado pelos vários players consultados pelo idealista/news. “No que concerne a investimento residencial, estamos neste momento mais focados em construção nova, mas também em projetos um pouco maiores, que permitam de alguma forma ter alguma escala, que de alguma forma se traduza na capacidade de conseguir entregar produto às famílias locais a um preço que seja atingível pelas famílias locais”, argumenta António Pereira Dias, da Bondstone.
Uma coisa é certa. Ao que tudo indica, a procura de casa vai manter-se em níveis muito elevados, segundo as previsões do Banco Central Europeu (BCE), abrindo espaço para todos os projetos imobilários que têm vindo a ser anunciados e reforçando a oferta que é atualmente escassa e tem servido de alavanca à subida dos preços das casas em Portugal.
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